Post by Paulo Henrique Alves Machado on Jul 23, 2009 9:37:28 GMT -5
Eu morava há dois quilômetros de uma luminária pública (havia postes perto da minha casa, mas sem luminárias). Entretanto isso não me impedia de sair à noite durante minha juventude. À noite é quando tudo acontece: as mulheres ficam mais misteriosas, o clima é muito melhor, enfim, há magia no ar e eu não perderia tudo isso por uma bobagem: ter que voltar para casa, atravessando dois quilômetros de cerrado na mais absoluta escuridão.
Nesse tempo de que eu falo, havia calça “beg”(uma calça bem larga de elástico que era feita de qualquer tecido), dançava-se “break”, curtia-se Michael Jackson e Lionel Rich, havia “brincadeira” na casa dos amigos, vídeo-clip, vinil e a maioria da população era constituída por jovens. Não haviam cds ou dvds e a Internet era apenas um projeto. Talvez você tenha imaginado uns setenta anos no passado, mas enganou-se; trata-se de exatos 24 anos, em plenos anos de 1980.
Naquele tempo, as relações interpessoais eram construídas da maneira mais óbvia possível: você tinha de sair de casa e conhecer pessoas. Eu morava bem distante do centro urbano. Lá eram comuns vacas pastando e o cerrado rico em espécies silvestres como perdizes e cobras. Havia violência sim: muitos homicídios, estupros e assaltos. Havia gangs que se divertiam em aterrorizar e espancar pessoas, andando com armas brancas e de fogo. Havia também os agentes do governo que costumavam “dar um fim” nos membros dos grêmios estudantis, como eu. Mas isso é uma outra história.
Era um sábado frio de inverno e eu fora a um esperado aniversário, comprara mesmo roupa nova e sapato para o evento: uma camisa muito larga, uma calça beg bem brilhante, além de uma sapatilha estilo “Kong Fu”. Eu estava pronto pra “night”, ou melhor, pra “balada”.
A festa estava boa: muita mulher, boa música, muita gente dançando, refrigerante, comida, mas não deu pra beijar ninguém. Bom! Pelo menos não aquela que eu queria. Voltei decepcionado.
Àquela hora estava ainda mais frio e havia um silêncio humano aterrorizante. A última luminária ficara para trás. Eu entrava na área escura e desolada que constituía o único caminho para casa: a trilha de trevas.
No meio do caminho, percebi que alguém me seguia do lado de dentro do cerrado, pois seus passos sorrateiros eram notados pelo barulho da vegetação. Chape, chape, chape, chape...
Senti um prenuncio de morte, mas continuei andando, sentindo que cada passo era seguido com maior ou menor intensidade pelo oculto predador. Tive vontade de conversar com ele, mas talvez fosse pior. Eu não entendia por que ele não se revelava de uma vez. Já enlouquecia ao som de: chepe, chepe, chepe....
Subitamente parei, tomado pelo medo e o estresse. Sem ter mais o que fazer, fixei meu olhar na escura mata onde eu acreditava estar o malfeitor. Então um grito vindo do cerrado jogou-me pelo chão; era uma ave coã com seu canto terrível. Botei-me de pé jurando matar toda coã que encontrasse na vida, se saísse vivo daquele episódio.
Ao reiniciar minha caminhada, percebi que o alguém ainda me acompanhava. Notei também que a distância entre minha casa e eu era já bem pouca: trezentos, talvez quatrocentos metros. Projeto mais simples não ocorreria a ninguém nesse mundo: deitar o pé na carreira. Corri, corri como jamais havia corrido na minha vida, porém, dentro do mato, o maldito corria com a mesma intensidade e minha casa nunca chegava (acho que eram quatrocentos metros), mas minha vida dependia daquela corrida e, então, dei tudo de mim, já nem mesmo sentia as pernas. Corri, corri e, finalmente, toquei no portão de minha casa. Fechei-o, sentindo-me, assim, totalmente seguro. Quando dei um novo passo, entretanto, ouvi o mesmo chiado: chepe, chepe, chepe...
Parei... andei... voltei. Era aquela CALÇA! A maldita calça de tecido sintético brilhante que eu comprara para a festa. Aquela que eu nunca havia usado antes. Acho que nunca mais usei a ridícula indumentária que tanto me fizera sofrer naquela noite. Eis aí, em caso tão singular, a gênese de uma épica história de terror.
P.S. – Não levei a diante o projeto de matar todas as coãs.
Nesse tempo de que eu falo, havia calça “beg”(uma calça bem larga de elástico que era feita de qualquer tecido), dançava-se “break”, curtia-se Michael Jackson e Lionel Rich, havia “brincadeira” na casa dos amigos, vídeo-clip, vinil e a maioria da população era constituída por jovens. Não haviam cds ou dvds e a Internet era apenas um projeto. Talvez você tenha imaginado uns setenta anos no passado, mas enganou-se; trata-se de exatos 24 anos, em plenos anos de 1980.
Naquele tempo, as relações interpessoais eram construídas da maneira mais óbvia possível: você tinha de sair de casa e conhecer pessoas. Eu morava bem distante do centro urbano. Lá eram comuns vacas pastando e o cerrado rico em espécies silvestres como perdizes e cobras. Havia violência sim: muitos homicídios, estupros e assaltos. Havia gangs que se divertiam em aterrorizar e espancar pessoas, andando com armas brancas e de fogo. Havia também os agentes do governo que costumavam “dar um fim” nos membros dos grêmios estudantis, como eu. Mas isso é uma outra história.
Era um sábado frio de inverno e eu fora a um esperado aniversário, comprara mesmo roupa nova e sapato para o evento: uma camisa muito larga, uma calça beg bem brilhante, além de uma sapatilha estilo “Kong Fu”. Eu estava pronto pra “night”, ou melhor, pra “balada”.
A festa estava boa: muita mulher, boa música, muita gente dançando, refrigerante, comida, mas não deu pra beijar ninguém. Bom! Pelo menos não aquela que eu queria. Voltei decepcionado.
Àquela hora estava ainda mais frio e havia um silêncio humano aterrorizante. A última luminária ficara para trás. Eu entrava na área escura e desolada que constituía o único caminho para casa: a trilha de trevas.
No meio do caminho, percebi que alguém me seguia do lado de dentro do cerrado, pois seus passos sorrateiros eram notados pelo barulho da vegetação. Chape, chape, chape, chape...
Senti um prenuncio de morte, mas continuei andando, sentindo que cada passo era seguido com maior ou menor intensidade pelo oculto predador. Tive vontade de conversar com ele, mas talvez fosse pior. Eu não entendia por que ele não se revelava de uma vez. Já enlouquecia ao som de: chepe, chepe, chepe....
Subitamente parei, tomado pelo medo e o estresse. Sem ter mais o que fazer, fixei meu olhar na escura mata onde eu acreditava estar o malfeitor. Então um grito vindo do cerrado jogou-me pelo chão; era uma ave coã com seu canto terrível. Botei-me de pé jurando matar toda coã que encontrasse na vida, se saísse vivo daquele episódio.
Ao reiniciar minha caminhada, percebi que o alguém ainda me acompanhava. Notei também que a distância entre minha casa e eu era já bem pouca: trezentos, talvez quatrocentos metros. Projeto mais simples não ocorreria a ninguém nesse mundo: deitar o pé na carreira. Corri, corri como jamais havia corrido na minha vida, porém, dentro do mato, o maldito corria com a mesma intensidade e minha casa nunca chegava (acho que eram quatrocentos metros), mas minha vida dependia daquela corrida e, então, dei tudo de mim, já nem mesmo sentia as pernas. Corri, corri e, finalmente, toquei no portão de minha casa. Fechei-o, sentindo-me, assim, totalmente seguro. Quando dei um novo passo, entretanto, ouvi o mesmo chiado: chepe, chepe, chepe...
Parei... andei... voltei. Era aquela CALÇA! A maldita calça de tecido sintético brilhante que eu comprara para a festa. Aquela que eu nunca havia usado antes. Acho que nunca mais usei a ridícula indumentária que tanto me fizera sofrer naquela noite. Eis aí, em caso tão singular, a gênese de uma épica história de terror.
P.S. – Não levei a diante o projeto de matar todas as coãs.