A cidade de Chester-le-Street, um antigo posto militar romano no nordeste da Inglaterra medieval, era o lar do poderoso Clã dos Lambton por volta do século XII. Os Lambtons eram senhores de muitas terras, e diversos vilarejos compunham seus domínios. Da terra, fértil e produtiva, abundava trigo, tomates e batatas; a água dos rios e poços era cristalina e refrescante; as vacas produziam galões de leite; as crianças eram fortes e sadias, em conseqüência, todos os aldeões gozavam de uma boa vida a serviço do seu senhor Edward Lambton.
Apesar do grande prestígio e respeito que a família dispunha dentre seus servos, havia uma pequena mancha no brilhante brasão dos Lambtons. O filho mais novo de Edward, o garoto
John, já cedo construíra uma reputação de rebelde e preguiçoso. Frequentemente, nas manhãs de domingo, faltava a missa da Capela Brugeford para pescar nas águas do rio Wear. Numa dessas manhãs, no caminho para o rio, o garoto foi advertido por um velho que cruzou seu caminho:
- Coisas boas não podem vir para um garoto que falta a missa!
Naquele dia, enquanto durou o serviço da igreja, John não pegou um peixe sequer. Ao final da missa, no momento em que o padre abençoava sua família, John sentiu uma fisgada no anzol. Parecia um peixe grande, pois puxava a linha com força. Ele lutou com seu troféu por alguns minutos, até que num esforço maior fez saltar para fora da água uma estranha criatura em forma de serpente, que ficou a se debater à margem do rio. Tomado de medo ao ver a medonha criatura, o repúdio fez John dar alguns passos para trás, até que recuperou seu fôlego e lentamente se aproximou para melhor observar o que parecia ser uma cobra; não, um verme de tamanho avantajado; não, uma salamandra que fugira do caldeirão de alguma bruxa! Não havia palavras para definir tão horripilante criatura, cuja cabeça possuía nove buracos em cada lado. Sem querer devolver a besta para as tranqüilas águas do rio Wear, John decidiu por jogá-la num poço que sabia existir ali perto. Com o auxílio de um graveto ele colocou o verme, que se contorcia com vigor, na sua sacola de pescaria e pôs-se a caminho do poço, quando novamente encontrou o mesmo velho, que dessa vez lhe perguntou:
- Conseguiu alguma coisa boa hoje, Lambton?- Rebelde que era, o garoto respondeu:
- Sim! Pesquei o próprio diabo! – E mostrou o verme dentro da sacola para o velho. – Jogarei-o num poço adiante!
Os anos se passaram, John cresceu e o acontecimento daquele domingo caiu no seu esquecimento. O agora jovem John Lambton preocupava-se em limpar sua reputação frente aos aldeões das terras que em breve herdaria. Numa dessas investidas, partiu como um Cavaleiro Cruzado para lutar contra os Mouros nas batalhas pela Terra Santa e trazer para as terras de seu pai relíquias dos primeiros cristãos.
Durante os anos em que esteve fora, as terras dos Lambtons caíram em desgraça. Primeiro foram as águas que, envenenadas, espalharam doenças por todos os vilarejos. Era preciso andar por quilômetros até se encontrar uma fonte sadia, e estas estavam sempre fora dos domínios dos Lambtons. Os campos padeceram, pois a água podre não podia ser utilizada nas plantações. As vacas emagreceram. Todo o feudo parecia sofrer uma peste incontrolável. A população se revoltou contra o seu senhor quando foi constatada uma diminuição nos estoques de alimentos em todos os celeiros. “O que estaria fazendo o Senhor Edward?”, pensavam os aldeões. “Vendendo nossos estoques para sustentar sua família?”. E numa noite de outono, uma turba enfurecida, carregando tochas, marchou em direção ao Lambton Hall, para depor e enforcar seus senhores. Já chegando aos pés da muralha da fortaleza, a turba foi contida por um velho senhor, que parado na estrada estendia a mão para que a multidão o escutasse.
- Ouçam-me! Poupemos o Senhor Edward, que assim como nós também sofre com a desgraça! Há anos o jovem Lambton, John, tirou das águas do Wear o próprio Demônio e o atirou num poço. Por todos esses anos, ao passar pelo poço, tenho ouvido os grunhidos da criatura que com o passar do tempo cresceu, assim como cresceu a penúria por essas terras. Eu mesmo já vi a fera deixar o poço e se deitar, como uma serpente que se enrola sobre si mesma, nas colinas de Penshaw Hill, onde os restos dos estoques dos nossos celeiros encontram-se espalhados como migalhas sobejadas pela besta-fera.
Após aquela noite as aparições da besta tornaram-se mais freqüentes e já quase não havia ninguém nos vilarejos que não houvesse visto a criatura ou, pelo menos, seu rastro, composto por uma gosma escura. Agora a fera constantemente devorava ovelhas e atacava vacas para roubar-lhes o leite. O único modo encontrado por Edward para conter os excessos da maldição foi oferecer-lhe 9 galões de leite todos os dias, o que era um sacrifício para o povo daquelas terras arruinadas. O leite era oferecido num enorme tanque próximo a muralha do Lambton Hall. Tal ritual fez que com a fera se acalmasse e poupasse ovelhas e vacas. Assim o vilarejo viveu por muitos anos, sempre sob a sombra da besta e sobre a gosma escura que ela deixava como rastro.
Decidido a dar fim a maldição, Edward ofereceu riquezas e terras ao bravo que livrasse seus domínios da fera. Diversos bravos aldeões e cavaleiros de outras terras partiram para além do rio Wear, em direção à Penshaw Hill, para tal empreitada. Porém apenas poucos voltaram, e estes, feridos, diziam ser impossível aniquilar o demônio, que mesmo quando partido em dois pelas poderosas espadas, tinha a propriedade de rejuntar seus pedaços e tomar sua inteira forma novamente! Não havia mais nada que Edward pudesse fazer, e o agora fraco senhor passava seus dias no parapeito do seu castelo a observar suas terras arruinadas e a desejar que seu filho John estivesse ali para ajudá-lo com tamanho fardo.
Após sete anos como um Cavaleiro Cruzado na Terra Santa, John voltou para as terras dos Lambtons. Ao saber da praga que se abatera sobre suas terras, e que ele havia sido a causa de todo o mal, o jovem cavaleiro concluiu que deveria dar fim ao que ele mesmo iniciara. Para tanto consultou uma bruxa, que vivia nas proximidades de Durham, a fim de saber qual o melhor modo para aniquilar aquele mal.
- O seu Demônio deixou Penshaw Hill e agora passa os dias em um rochedo no meio do rio Wear. – Disse a bruxa. - Você deve vestir uma armadura forjada com lâminas e espículas pontiagudas, e esperar pela fera no rochedo para a batalha final! Mas, lembre-se! Após eliminar o mal, você deverá matar a primeira coisa viva que vir a sua frente! E caso não o faça, uma maldição cairá sobre sua família e nenhum Lambton morrerá em sua cama, por nove gerações!
A armadura de John foi forjada com aço espanhol utilizando-se as técnicas dos remanescentes Vikings da antiga Northumbria. Em comum acordo com seu pai, ficou determinado que quando John eliminasse a fera ele sopraria sua corneta para que seu pai soltasse seu mais veloz cão de caça, que iria ao seu encontro no rochedo para que fosse sacrificado. Assim os Lambtons estariam livres da maldição da bruxa. Preparado para o combate, o cavaleiro partiu para o rochedo, onde haveria de reencontrar sua criatura. Lá esperou por todo o dia até que à luz dos últimos raios de sol a fera lentamente emergiu das águas, chegando a atingir a altura de dois homens. Pôs-se então em movimento em direção ao rochedo. Sentindo o peso de sua obrigação, John esperou pelo momento correto e deferiu um poderoso golpe com sua espada na cabeça do monstro, que grunhiu ferozmente e, irritado, atirou-se sobre o cavaleiro envolvendo-o em três voltas completas. O corpo musculoso do monstro comprimia o cavaleiro tentando estrangulá-lo, porém quanto mais a fera apertava seu abraço mortal, mais ela se feria nas lâminas e espículas da armadura de John. As águas do rio Wear, daquele ponto em diante, corriam vermelhas. Apesar de bastante enfraquecido, John reuniu suas forças e deferiu um outro poderoso golpe decepando parte do corpo do gigantesco verme, que ao cair no rio, foi levado pelas águas, impedindo assim que a fera se reconstituísse. Vendo que daquela forma poderia eliminar seu demônio o cavaleiro deferiu mais um golpe, e mais um, e mais um! Até a que o monstro mutilado caiu aos seus pés e morto deslizou para as profundezas do rio Wear. Retomando seu fôlego e sentindo o prazer da vitória, John soprou sua corneta. Do alto do Lambton Hall, Edward pôde ouvir o sinal e na euforia do momento, esqueceu-se de soltar seu cão, partindo ele mesmo em direção ao seu vitorioso filho. Ainda sobre o rochedo, John viu seu pai acenando à margem do rio. O olhar do cavaleiro perdeu-se na imagem do eufórico pai. Seu braço enfraquecido deixou cair a espada sobre a rocha, e junto com o monstro, ela se perdeu nas águas escuras do rio. Ele não poderia cumprir sua segunda obrigação. Naquele momento o Cavaleiro John Lambton livrara suas terras do abominável monstro e condenara sua família a nove gerações de uma maldição de dor.